A capacidade de entender o que seu cachorro está tentando comunicar pode em breve deixar de ser um mistério. Pesquisadores da Universidade de Michigan, em colaboração com o Instituto Nacional de Astrofísica, Óptica e Eletrônica do México (INAOE), desenvolveram um modelo de Inteligência Artificial (IA) que consegue interpretar os latidos de cães, revelando significados específicos por trás das vocalizações dos nossos amigos de quatro patas.
O estudo, que ainda aguarda revisão por pares, utilizou software de aprendizado de máquina para analisar diferentes tipos de latidos, rosnados, uivos e gemidos de 74 cães em diversas situações. Os cenários foram cuidadosamente projetados para provocar respostas específicas dos animais, incluindo brincar com brinquedos favoritos e presenciar ataques simulados aos donos. A partir dessas situações, os pesquisadores registraram 14 tipos diferentes de vocalizações caninas, como “gritos positivos” durante brincadeiras, “latidos de tristeza/ansiedade” e “latidos agressivos para estranhos”.
Utilizando um modelo de IA chamado Wav2Vec2, originalmente criado para reconhecimento de fala humana, os pesquisadores treinaram o sistema com os sons dos cães antes de submetê-lo a uma série de testes desafiadores. A primeira tarefa foi identificar cães individuais baseando-se apenas em suas vocalizações. Surpreendentemente, quando a IA foi pré-treinada com fala humana antes de ser apresentada aos sons dos cães, ela conseguiu identificar cães específicos em 50% dos casos, enquanto modelos treinados exclusivamente com sons caninos tiveram uma taxa de sucesso de 24%.
Rada Mihalcea, autora do estudo, explicou que esses resultados indicam que a familiaridade com a fala humana pode ajudar a IA a lidar com as complexidades da comunicação não humana. “Nossos resultados mostram que os sons e padrões derivados da fala humana podem servir de base para a análise e compreensão dos padrões acústicos de outros sons, como vocalizações de animais“, afirmou Mihalcea.
Além disso, o modelo de IA também foi testado na distinção entre diferentes raças de cães, mostrando níveis variados de sucesso. Mais da metade dos cães no estudo eram chihuahuas, e a IA foi capaz de identificar corretamente esses cães em aproximadamente 75% das ocasiões. Esse nível de precisão sugere que diferentes raças podem ter “sotaques” distintos em suas vocalizações.
Em um teste final, a IA foi desafiada a interpretar o significado das vocalizações dos cães, correspondendo-as aos 14 tipos de sons previamente identificados pelos pesquisadores. Quando pré-treinada na fala humana, a IA alcançou uma taxa de sucesso de 62,2%, com algumas categorias sendo mais fáceis de decifrar que outras. Por exemplo, a IA identificou corretamente 90,7% dos grunhidos negativos, mas apenas 45,26% dos guinchos negativos.
Segundo Mihalcea, “Os avanços na IA podem ser usados para revolucionar a nossa compreensão da comunicação animal, e nossas descobertas sugerem que talvez não tenhamos de começar do zero.“
Reaproveitando modelo para fala humana em latidos de cães
Um dos maiores desafios ao desenvolver modelos de IA para analisar vocalizações de animais é a falta de dados disponíveis. Enquanto há inúmeros recursos para registrar a fala humana, coletar dados de animais é significativamente mais difícil. “Vocalizações de animais são logisticamente muito mais difíceis de solicitar e registrar“, explicou Artem Abzaliev, autor principal do estudo e doutorando em ciência da computação e engenharia. “Devem ser registrados passivamente na natureza ou, no caso de animais domésticos, com autorização dos proprietários.”
Para superar essa escassez de dados, os pesquisadores aproveitaram um modelo existente de análise de fala humana. Essa abordagem permitiu explorar modelos robustos que formam a base das tecnologias de voz utilizadas hoje, incluindo reconhecimento de voz e tradução de idiomas. Esses modelos são treinados para distinguir nuances da fala humana, como tom e sotaque, e convertê-las em um formato compreensível para computadores.
“Ao usar modelos de processamento de fala inicialmente treinados na fala humana, nossa pesquisa abre uma nova janela sobre como podemos aproveitar o que construímos até agora no processamento de fala para começar a compreender as nuances dos latidos dos cães“, disse Mihalcea.
Além de fornecer uma ferramenta valiosa para biólogos e especialistas em comportamento animal, esta pesquisa tem implicações significativas para o bem-estar animal. Compreender as nuances das vocalizações dos cães pode melhorar a maneira como os humanos interpretam e respondem às necessidades emocionais e físicas dos cães, resultando em melhores cuidados e prevenção de situações potencialmente perigosas.
